quarta-feira, 10 de julho de 2024

Migalhas de Mim (136)

 Hoje é, já, de novo, sexta-feira,

amanhã sábado, depois domingo.

Logo virá segunda, num estalar de dedos,

e a terça, e a quarta e a quinta e todas as luas,

como a idade que contínua sempre na sua.

 

Assim tudo é começo e recomeço,

na pressa do tempo passando,

indiferentes a desgaste de rosto suando,

a apagares e acenderes de luzes,

a embaços e brilhos de olhos,

a desânimos e ânimos de horas,

a forças e vazios de âmago e estômagos.

 

Será preciso correr e concorrer,

preparar as malas e conceber,

que a viagem não tardará

a chegar, sem avisar,


para nos levar ao deus-dará.

quarta-feira, 12 de junho de 2024

Migalhas de mim (135)

 

O corpo, veículo do presente,

conduz até onde nem se sabe,

a cumprir ordens vindas do auge,

de cabeça e mente exigentes.

 

O tronco se obriga a religar

um pulmão bem ventilado,

um coração sempre ligado,

confrades de vitalidades.

 

Duas mãos trabalham uníssonas,

sem que uma pergunte à outra

como fazer para ser tão eficientes,

em seu mister de agentes coirmãs.

 

Dois pés andam convergentes,

um à frente segunda o subsequente,

até onde forem capazes de avançarem,

sob comando de faculdade dirigente.

 

A união do grupo preponderando,

como ímã resistente, mais que fez

as partes nascerem todas diferentes,

em harmonia de sinfônica procedente!

quarta-feira, 29 de maio de 2024

Migalhas de Mim (134)

 

Tiveste às mãos e coração,

em plena madurez de alma e corpo,

a mulher na plenitude da beleza e saúde,

quando em ti imperava a fortaleza

do ímpeto em pleno instinto da natureza!

 

Mas pouco soubeste, às vezes, dosar

os adequados e inerentes movimentos,

nos melhores dos momentos,

para um intencional amor bilateral,

sem quaisquer adjacentes sentimentos!

 

A mulher não pode ser objeto,

sem obter os melhores dos afetos.

Exige saber, porém, a exata porção

da íntegra emoção e atitude correlata,

da descombinada entrega sem data!

 

O casamento, parece, impede o exercício

do amor verdadeiro, sem regra, tempero

e desagrado, na contenção de gestos feros,

em desacordos do ritual do amor sincero,

com lugar, hora e mistérios apropriados,

para ser intenso, total e inteiramente vero!

quinta-feira, 23 de maio de 2024

Migalhas de Mim (133)

 Língua, línguas minhas, consoantes e vogais,

e mais límpidos timbres e tons,

às sonoridades misturadas,

almas portuguesas, medievais, greco-latinas, Américas,

índios, Índias, Áfricas, bantos,

tupis, guaranis, tapuias, tamoios, tupiniquins, carajás,

ignotas e vivas nheengatus, ianomamis, amalgamadas,

povos, óvulos, ovos oriundos de variados mundos.

 

Raças alhures adversas, de diversas graças,

por aqui aportaram ou aportam e quedam,

e exportam valores universos,

amores, sem cores, sem compressas,

de mais calorosas conversas.

 

Língua de astros, de esses e sisos,

ósculos e fusos, usos e risos, lisos

de texturas e culturas, que aos ouvidos agradem,

de retratos, de almas e asas,

corações, razões de mais misturas.

 

Na fala dos amantes do belo e dos elos,

do lápis, do ouvido singelo,

mudem-se as incongruências de sons já corroídos,

de cidades, pontes, ruas e rios,

e os demais acidentes geográficos,

por correspondentes sons bantos, iorubás e indígenas,

bem mais puros, doces, próprios, nossos 

bem mais reais, musicais e imparciais

nos colóquios, in bloco e nos gerais. 

terça-feira, 14 de maio de 2024

Migalhas de Mim (132)

 

Toda beldade envelhece,

padece do mal da idade,

que o tempo arranha

no corpo sedoso, suavidades,

na face, macia, aveludada,

até que o ânimo esfria

e o destino chega, à revelia.

 

A vida nasce, dura,

nunca perdura, na realidade,

que há mais gente futura,

vindo atrás, na estrada,

que sempre nos empurra,

e nunca nos enfrenta,

que o eterno é caminhar.

 

Mas como há os amigos,

que a vida nos garantem,

até a porta certa, mais adiante,

já é sorte poder conviver

com a alegria, grande aliada,

a saúde, virtude e consorte

no porte das vidas passadas.

quarta-feira, 1 de maio de 2024

Migalhas de Mim (131)

 História de Pedro e Aurora

Ora, cara Aurora, fui Pedro Último dos Quincas,

ou Pedro Quinto, nem bem mais correto sei,

com três filhos que lhe plantei no ventre fecundo

de todo amor do mundo, que sempre lhe devotei,

malgrado o terceiro, nem aos seus olhos chegasse,

que a morte, ainda no catre, sem luz, lhe ceifasse!

 

Depois, vieram os depois, e mais depois,

comigo, no casarão, me desfazendo da mente,

na solidão de quarto escuro, inclemente,

de cheiro até duvidoso, nauseabundo,

a purgar da rédea solta, do poder abandonado

do comando, dos punhos fracos e frágeis mãos,

por minha inteira falta de mais dura decisão.

 

O restante de amor foi-me secando a alma,

grabatário do que me sobrou de fôlego e ar,

segregado na vida inútil a que me sujeitei,

ou, do destino que me levou à fatal depressão.

 

Quem, Aurora, dos primeiros tempos festivos

se lembrará de mim, a cavalgar besta ruana, 

de boa sela, bem arreada, sem parelha, do meu gosto,


na liberdade e alegria de viver merecido posto? 

quinta-feira, 11 de abril de 2024

Migalhas de Mim (130)

 

(De Nice, 15/3/24)

 

Não há ninguém a quem se perguntar,

nem a se explicar,

apenas você e a máquina

fria, senhora de si,

e da insensibilidade.

 

Não há ninguém com quem se privar

de relações de ajuda mútua,

que ficaram no passado.

Agora, só você e a máquina

fria, senhora de si e da artificialidade.

 

A recompensa da convivialidade

já não mais compensa,

ficou no papel amarelado, rasgado,

amarfanhado dos tempos

sempre mais escassos.

 

Com desconhecidos e estranhos

não se gasta saliva e cansaço.

Agora, só se conversa com a máquina

fria, senhora de si e das desconfianças

sem vistas à alteridade.

 

Até quando amizade sem resultados

rápidos, individualizados!

Pobres homens sem vizinhos,

se precisarem uns dos outros,

num repente,

nem a presença de próximos parentes!