segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Nuvens esparsas (68)

O dinheiro é sem alma, sem coração,
deixa pobre sem opção,
que, se correr, o bicho pega,
se parar, de precisão, de fome,
o bicho é homem.

Há desconto pra tudo,
na luta das injustiças,
do vale-tudo desenfreado, 
menos pra dinheiro desregrado,
igualado na cobiça.

Questão é de desrespeito
ou de vergonha, nenhuma ou pouca,
contrafeito no valor, em inteiros ou avos,
da penúria, da pecúnia,
dos bens alienados?

Quanto vale o picolé de coco
do menino pernalta, esfomeado,
artefato apenas perfumado,
empurrando carrinho de coitado?
Um real? Paga-se oitenta centavos.

Quanto, o carro contrabandeado?
Cem mil? Leva-se por oitenta.
Qual o valor do apartamento,
mobiliado em madeira de lei, condenada?
Quinhentos mil? Compra-se por quatrocentos.

O iate decorado, a salários desconcertados?
Vale facilitado um milhão?
Tem-no por oitocentos mil,
de dinheiro em banco, facilitado,
catados a rodo, ou de aluvião.

A quantas andam a dívida da nação?
Um bilhão? Salda-se com rolagens,
e infinitos juros escorchados,
seguros e mais outros apuros
da desbastada população.

Deve-se pouco? Vai-se amargar a prisão.
Paga-se com perda da identidade,
da rala idade bebida com pouca comida,
com cama exígua, iniquamente dormida,
e tempo moldado de preocupação.

Deve-se milhões? Aguarda-se em liberdade,
assentado em fofas poltronas e vantagens:
responde-se, de cara deslavada,
a inquéritos de adestrados magistrados,
administrados na certeza das impunidades.

Os devedores se resguardam infiéis,
no silêncio estratégico das leis,
à sombra de bem remunerados bacharéis,
sem devolução de luxos desfrutados,
injustificados perante os céus.

II

Qual, então, o preço da consciência, do pecado,
dos ofícios perdidos, dos cultos manipulados,
dos desejos satisfeitos, do uso da contravenção,
do cônjuge infiel, das injustiças sociais, da omissão,
da conivência nas mortes indiretas de inocentes,
do desperdício de alimentos excedentes,
da complacência de dirigentes indecentes,
das vestimentas suntuosas, do ouro resguardado,
da ostentação de guardas engalanados,
das pedrarias valiosas nas confrarias de iguarias,
luzidias de tão caras, de tão finas, de cores frias?

Do pequeno, tira-se o muito,
do grande, quando se tira, tira-se o pouco.
Quanto mais alto o preço,
maior o valor do desconto.
Quanto maior a dívida (no posto),
maior a indulgência (no imposto).
Quanto maior o crime (resumido),
mais insignificante o castigo (infligido).
Quanto menor o valor do trabalho insano,
mais o mundo se mostra desumano.
Quanto maior o pecado, 
maior a clemência do prelado.

                        III

O mundo é bem irremediável e louco!
E Deus, como é que fica, em tudo isso?
Afastado, indeciso, omisso,
só avaliando intrincados compromissos
de irresponsáveis juízes?
Ou, talvez, sejamos tão somente aprendizes?

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