sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Cantos e (des)encantos (19)


Poeta:
ser vivente
afeito ao mundo
em voltas?

Poeta:
ser vidente
atento à realidade
nua e solta?

Poeta: ser
vertente
versátil
amante, talvez?


             


Dei-me
como nem sei
em versos?

Converso palavras
sem rima, sem lima
sem calão.

Lanço no ar
letras laçadas
entre sons e ventos alados.

Reversos de alma
pré-ocupada
com uni(r)versos.


             


Chorar
a sina do poeta?

Para quê?
se a poesia nunca fenece?

O poema não é brincadeira e jogo.
É também fogo
que sem queimar aquece.

Uma prece talvez
um canto que raro se esquece
assim ao primeiro espanto
de quem nem o merece.


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Cantos e (des)encantos (18)


Recuso-me a creditar meus olhos
tão míopes no desacostume de ver!
Em minha frente estás realmente
ou são meus sentidos em sonhos
que reclamam teu corpo de mel
e melado, incessantemente?

Meus ouvidos pernoitam a tua voz,
se desfalecendo em suspiros
buscados no céu da boca faminta,
e tua saliva rara
umedece minha face,
os lábios avaros.

Recordo teu acre perfume
exalado de profundezas molhando desejos,
onde brotam rios de matas ralas
e escuridões,
onde aqueço minhas mãos finas
e trêmulas,
onde me queimo os dedos em fogo
e mormaço,
e sacio minha sede de ser sempre sedento
de teu corpo túmido, se amolecendo cansado
de tuas forças estremes, se esquecendo rígidas
sobre meu peito arfante,
exaurindo-se e vencido.

Topógrafo de montes e vales
e grotas profundas e quentes,
meço distâncias, na ânsia da maior distância,
busco aninhar-me em grutas escondidas,
reentrâncias de encostas e escarpas frementes,
vastidões de doces e úmidas planícies,
para ao final encontrar a calma que meu ser reclama,
em relevos que teu corpo de fendas e montes derrama,
tal vulcão que me envolve, revolve e petrifica.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Nuvens Esparsas (17)


Ainda não sabe

de quem mais gostou,

a quem mais se consagrou,

se a todas elas,

ou só a si,

por tino ou tabela.



Sabe que foi assim:

pelo que destino quis,

insatisfeito aprendiz,

se guiou de ofício,

de cabeça, e de nariz.



Por alguém se decidiu.

De outras, fez que se afastou, 

mas nunca se esqueceu,

porque, infortunado,

sabe que, de verdade, as amou.



Como se sabe, 

amor não se reparte,

incide de vários jeitos.

Inúteis as leis que o dividem,

em várias partes,

em vários l/eitos.

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Cantos e (des)encantos (17)


(Eu)

Eu:
modelo mutilado
do progresso.

Enganei-me ao buscar na rua
a emancipação
falaz sucesso.

no mato tem tudo:
luz de sol mais verde
água de rego mais doce
noite mais infinita
amor de estrelas.

Sedução
não a mim acometida!
Vida retorcida, reprimida!

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Cantos e (des)encantos (16)




                                         
Minha voz transmuda-se em riscos,
estrondo é o silêncio na pena,
meu poema é vulcão e lavas,
consciência da imperfeição
meu tema.

Debaixo desta calma tem borrasca,
no borralho dessas cinzas, brasas,
não grito meu sufoco,
com medo de tudo se queimar
em nada.

Meu poema é caverna,
tênebra minha voz, mormaço.
Meu lema é destino
ora desafino,
ora desabafo.


                         (Poemas gêmeos)



Para toda subida              Para toda descida
uma descida.                    uma subida.             

Nunca que se sobe     Nunca que de desce
ou se desce                 ou se sobe
na face do orbe.               na face do orbe.

Para toda tristeza             Para toda certeza
uma certeza.                    uma tristeza.

Nunca que se sofre     Nunca que se salva
ou se salva                  ou se sofre
na roda da vida.               na rodada vida.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Cantos e (des)encantos (15)


Poemas se vestem de prosa

em versos a prosa traveste

e diverte.



De que serve

o que importa

o que suporta

a pouca roupa

da verve?



O que se investe

é o livre pensar.

Da fruta, a parte boa,

o melhor sabor

é o da polpa.



Os escritos não são assim

tão ex-atos,

mas crus relatos.



Eis a verdade de que tantos fogem:

o medo é dos que dela carecem,

velhos vates e vaidosos.